O Brasil pode ser o maior produtor mundial de café, o segundo maior consumidor e líder mundial na produção e exportação de café solúvel, mas há um equívoco que a Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (ABICS) quer retificar: que o café solúvel não é um produto de baixa qualidade.
Em vez disso, é uma categoria complexa de qualidades, perfis e aplicações variadas para atender às preferências de gosto de diferentes consumidores e mercados.
“Ao contrário do que se pensa, o café solúvel tem várias opções de qualidade e aplicações”, diz Eliana Relvas, Cafeóloga e consultora da ABICS.
“Por muito tempo, o consumidor de café teve, e muitos ainda têm, essa percepção de que o café solúvel é uma qualidade única. Mas isso mudou nos últimos anos, com novos produtos com diferentes blends de arábicas e canéforas, diferentes qualidades de matéria-prima, processos de fabricação que podem ser spray ou liofilizado e diferentes combinações de temperatura e pressão de extração.”
No entanto, apesar do amplo espectro de qualidades disponíveis, não existe uma metodologia comum ou padronizada para a análise sensorial do café solúvel, como existe para o café verde.
Com a constatação de que o café solúvel deve ser classificado diferentemente do café torrado e moído, a ABICS, em conjunto com o ITAL Food Tech Institute, órgão governamental referência em pesquisa e desenvolvimento e inovação tecnológica na América Latina, desenvolveu uma metodologia para identificar atributos de sabor específicos do café instantâneo.
Foi realizada uma série de 14 testes de degustação com diferentes amostras de café instantâneo, com os provadores solicitados a agrupar as amostras por sabor e similaridade e descrever o sabor característico de cada grupo. Os dados resultantes foram organizados de acordo com sua matriz de similaridade. Um léxico sensorial foi então desenvolvido e refinado para cafés instantâneos, com base nos principais atributos diferenciadores. Alguns dos atributos do léxico são compartilhados com os léxicos torrado e moído, como doçura, acidez e corpo. Outros eram exclusivos da categoria de café instantâneo, como ‘aroma de café superextraído’.
Em vez de adotar uma escala de intensidade de cinco pontos, determinou-se que um café não é necessariamente melhor que o outro e que cafés com certos atributos são mais adequados para certas aplicações.
Outras definições para descrever três tipos de café solúvel foram decididas como ‘café solúvel excelente’, ‘café solúvel diferenciado’ e ‘café solúvel convencional’.
Espera-se que a adoção de um sistema comum de avaliação de qualidade, classificação e comunicação aos consumidores abra as portas para oportunidades de diferenciação na categoria instantânea, que a ABICS diz já ser diversa, mas atualmente carece de comunicação com os consumidores.
Os resultados das descobertas foram publicados em um white paper da ABICS durante a Semana Internacional do Café em Belo Horizonte, Brasil, em novembro de 2022, intitulado ‘Avaliação da qualidade do café instantâneo: um desenvolvimento da ciência sensorial’.
Em um evento especial de lançamento, representantes do Coffee Quality Institute, Specialty Coffee Association, United States National Coffee Association, European Coffee Federation e All Japan Coffee Association se reuniram para conhecer a nova metodologia padronizada da ABICS.
Relvas, que coordenou a elaboração do Livro Branco, diz que o documento enfatiza os vários níveis de qualidades distintas presentes no café solúvel.
“À medida que o protocolo padronizado de análise sensorial é aplicado para avaliar os diferentes perfis de qualidade, mais conhecimento é agregado para permitir a melhoria contínua da qualidade e inúmeras possibilidades de combinações da matéria-prima e processo de produção para criar e descobrir novos e bebidas, ” diz Relvas.
Fabio Sato, presidente do Conselho da ABICS, diz que o próximo passo para a aplicação da nova metodologia padronizada é treinar provadores profissionais para criar os chamados Instant Coffee Graders (IC Graders) e calibrá-los para usar a nova metodologia.
“Pretendemos formar primeiramente os profissionais das indústrias brasileiras de café solúvel e posteriormente os principais donos de marcas presentes no Brasil. Em uma segunda etapa, pretendemos estender a calibração aos importadores de café solúvel brasileiro e, por último, aos baristas e demais profissionais do setor cafeeiro”, diz Sato.
“Assim, podemos levar ao consumidor uma identificação clara da categoria e atributos dos produtos para que ele possa escolher o que mais se adequa ao seu gosto.”
A ABICS pretende que o novo protocolo seja aceito internacionalmente. Ele compartilhará a metodologia com empresas, especialistas e entidades de todo o mundo e com clientes da ABICS em mais de 120 países.
“Agradecemos a cooperação e parcerias com entidades que possam ajudar a aprimorar esse protocolo e assim seguirmos as etapas do café torrado, que tem seu protocolo de avaliação sensorial, desenvolvido pela Specialty Coffee Association na década de 90, hoje reconhecido e utilizado mundialmente”, Sato diz.
Assim que os profissionais da indústria estiverem totalmente calibrados e os IC Graders certificados, a ABICS desenvolverá um programa de selos de qualidade para seu mercado doméstico. O selo será aplicado nas embalagens dos produtos, que indicarão as melhores aplicações e atributos de qualidade, além de identificar suas características.
Além do novo protocolo, que ajudará a posicionar o café solúvel em um novo padrão global, Sato diz que o café solúvel está passando por uma revolução no mercado consumidor graças à sua reinvenção e ao uso de inovações para aprimorar sua qualidade.
“As diferentes qualidades e blends, tipos de embalagens, formas de preparo, aplicabilidade e versatilidade de usos estão se refletindo nos indicadores de crescimento do consumo no Brasil e no mundo”, afirma.
“Basta observar como aumentou o espaço para o café solúvel nas gôndolas dos supermercados. Nossa capacidade de crescimento está ligada às nossas estratégias e capacidade de comunicação com os consumidores, e o White Paper da ABICS e seu protocolo contribuirão para isso. Estamos confiantes de que, se os consumidores experimentarem o café instantâneo, eles vão gostar”.
Brasil, a nação do café instantâneo
A ABICS foi criada em 1972 para representar institucionalmente a indústria do café solúvel no Brasil. Representa sete fabricantes brasileiros de café solúvel, que juntos possuem a maior capacidade de fabricação de solúvel do mundo, entre eles Cacique, Companhia Iguaçu de Café Soluvel, Nestlé, Cocam, Realcafé e Café Campinho, e Olam Food Ingredients.
A atuação da ABICS está voltada para a expansão de mercados para o solúvel brasileiro, além dos esforços do setor para melhorias em qualidade, sustentabilidade e inovação tecnológica.
O Brasil é líder na produção e exportação de café solúvel desde a década de 1960.
De acordo com dados de 2020 do Cecafé – Conselho dos Exportadores de Café do Brasil – e da ABICS, o Brasil produz 117.000 toneladas de café solúvel por ano. Exporta 4,1 milhões de sacas de café solúvel por ano, avaliadas em US$ 600 milhões, e distribui 0,95 milhão de sacas para o mercado interno brasileiro.
Atualmente, o café solúvel corresponde a cerca de 25% do total de café consumido globalmente e tem crescido de 2,5 a 3% ao ano, percentual superior ao café torrado, segundo a ABICS.
No Brasil, apenas 5% do café é consumido na forma de solúvel, mas a ABICS diz que “seu crescimento tem sido forte e contínuo” em média de 3,6% ao ano nos últimos cinco anos.
“Os números positivos no Brasil e no mundo são consequência da melhoria da qualidade, com inúmeros blends como 100% Arábicas, de origem única, cafés certificados e orgânicos, acondicionados em diversos tipos de embalagens, que possibilitam diversas formas de aplicação e preparação”, diz Sato.
O café instantâneo é a base do popular formato três em um, bem como do café pronto para beber e de outras aplicações. Assim, Sato diz que o uso variado de aplicativos é como a ABICS pretende estimular o aumento do consumo.
“Acreditamos que o consumo pode continuar crescendo pelo menos em taxas semelhantes às que vimos nos últimos anos. O White Paper e o protocolo da ABICS podem ajudar a expandir essas taxas de crescimento”, diz ele. GCR
Para mais informações, acesse www.abics.com.br
Este artigo foi publicado pela primeira vez na edição de março/abril de 2023 do Global Coffee Report. Para ler o artigo científico, clique AQUI .