DCI / Nayara Figueiredo
São Paulo – A indústria de café solúvel quer importar insumo para evitar uma queda nas vendas do produto final, diante da primeira escassez da matéria-prima registrada no Brasil.
“Venda não feita é dólar que não entra”, afirma o diretor de relações institucionais da Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics), Aguinaldo José de Lima. A alegação dele reflete a atual preocupação do setor ao ver uma quebra de safra.
Desde meados de agosto, o fechamento das exportações desta agroindústria, para 2017, patina. O motivo é a falta da variedade conilon (robusta) utilizada em 80% do processo produtivo dos solúveis, após uma forte seca nas lavouras do Espírito Santo – líder nacional no cultivo. O grão é necessário nas vendas externas para garantir que haverá oferta para processar e entregar na ponta final.
“Em se tratando de balança comercial, entendemos que os impactos [com a importação] são muito mais positivos do que negativos. Se não buscarmos o produto lá fora, vamos perder market share. Não exportar [o café solúvel] é não agregar valor à cadeia”, justifica Lima. A possibilidade de importação ainda está em discussão na cadeia e será encaminhada ao governo.
Só neste ano, a agroindústria de solúveis deve faturar em torno de US$ 600 milhões com os embarques, um avanço modesto diante dos US$ 596 milhões de 2015. Caso as importações do grão proveniente do Vietnã – maior fornecedor de conilon no mundo – não sejam aprovadas, um novo resultado positivo em 2017 deixa de ser uma certeza.
Dentre os principais compradores do produto brasileiro neste segmento estão Estados Unidos, Rússia, Japão e alguns países europeus. Na contramão, Índia, Vietnã e Alemanha são os concorrentes que podem abocanhar uma eventual fatia de mercado deixada pelo Brasil.
Questionado pelo DCI sobre o volume de compras externas necessário para manter os negócios, o diretor da Abics conta que ainda não é possível precisar quanto será permitido pelo governo. No entanto, o relatório mais recente da associação, publicado neste mês, aponta para um déficit entre 4,8 e 8,7 mil sacas de conilon no Brasil, consideradas tanto a demanda internacional quanto a doméstica.
“Nossa necessidade é de 340 mil sacas por mês. Importaríamos uma fatia disso em quantidades dosadas, mas que nos mantivessem em atividade competitiva”.
Arábica como opção
Para a indústria, utilizar a commodity brasileira é extremamente mais vantajoso, principalmente em termos de logística e câmbio. Então, por que não substituir a variedade robusta pelo arábica, cultura em que o País é líder global em produção e exportação? “O conilon tem uma eficiência industrial que permite uma extração de 30% mais sólidos solúveis em relação ao arábica. Utilizar o arábica é inviável, diferente da indústria de torrefação”, esclarece o executivo.
A saída indicada pelo representante dos solúveis, aos torrefadores, de fato, está sendo aplicada. O diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), Nathan Herszkowicz, conta que neste momento de escassez no campo, a opção é mudar o chamado blend e alterar os percentuais na mistura das duas variedades.
As pequenas empresas foram as que mais se utilizaram desta alternativa, conscientes de que seriam necessários ajustes finos para não surpreender negativamente o paladar do consumidor. Neste segmento de menor porte, o cliente é o próprio brasileiro, um dos mais tradicionais do mundo.
“Na hora que você deixa de utilizar o conilon, você tende a mudar a característica da bebida e os consumidores estão adotando essa mudança”, comenta Herszkowicz. Para ele, essa alteração no paladar tem a possibilidade de cair no hábito do consumidor e, caso isso aconteça, surge a hipótese da indústria substituir permanentemente o blend, favorecendo o arábica, “o que não seria um problema para a indústria, mas sim para o produtor de conilon”, acrescenta o executivo.
Levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), divulgado ontem, mostra que as cotações do arábica iniciaram dezembro em queda, em resposta a especulações de leve melhora na disponibilidade global da safra 2016/2017. Com isso, o Indicador Cepea/Esalq do arábica posto na capital paulista fechou a R$ 511,50 por saca de 60 quilos. Já o robusta ficou em R$ 489,56 por saca, uma diferença financeira que, conforme o executivo da Abic, não inviabiliza alteração nos blends.
Do outro lado da cadeia, o presidente da Federação da Agricultura do Estado do Espírito Santo (Faes), Júlio Rocha, não acredita em prejuízo ou perda de espaço para o tipo arábica no processamento interno.
Quanto a entrada do grão do Vietnã, o representante dos agricultores é contra, devido a questões como manejo e qualidade da commodity do concorrente, posição que gera um desacordo com a indústria.
Além disso, para Rocha – e o restante da cadeia – um importante entrave, atualmente, é que o problema climático desse ano trará consequências para as lavouras de 2017.
Impactos da seca
Nesta semana, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) divulgou relatório sobre as condições da safra cafeeira. Cerca de 98% das regiões produtivas do Espírito Santo tiveram chuvas abaixo da média. Pelo menos 59% dos produtores tiveram produtividade abaixo de 40 sacas por hectare, enquanto 7% colheram acima de 90 sacas por hectare.
O agrometeorologista da Rural Clima, Marco Antônio dos Santos, explica que as chuvas muito irregulares, aliada a altas temperaturas ou o inverso, como geadas, afetaram o desenvolvimento das lavouras de 2016. “Isso fez com que tivéssemos uma florada aquém do normal para uma safra de bianualidade alta”, enfatiza.
Para o ano que vem, já se sabia que a colheita viria em menor intensidade, pela alteração na bianualidade (um ano baixa e o seguinte maior), mas com os efeitos deste ano, a recuperação para o setor foi postergada para 2018. “No caso do arábica, muitos produtores ainda fizeram podas mais drásticas neste ano, para fazer safra zero no ano que vem e uma superssafra em 2018, uma prática natural no mercado”, acrescenta. Para o conilon, a expectativa segue negativa.