BLACK YEAR: cenário econômico prospectivo para o agronegócio café

Celso Vegro, pesquisador do IEA

* Celso Luis Rodrigues Vegro

Na belíssima cidade de Buenos Aires ocorrerá, entre 30 de novembro e primeiro de dezembro de 2018, a próxima reunião do G20, formado por representantes de 19 das mais ricas economias globais, acrescida de um representante da União Europeia1. Nesse encontro das principais lideranças mundiais (se é que ainda existem personagens capazes de atrair para si tal status), será possível mensurar a proporção em que a já iniciada guerra comercial entre as duas principais potências, poderá se desdobrar. Os indícios sinalizados pelas recentes evidências são de pouco espaço para as negociações, com acirramento das retaliações comerciais unilaterais2.

Existe forte correlação entre taxa de expansão do comércio mundial e crescimento do PIB global. Caso sejam ampliadas as barreiras e as disputas entre as nações (cenário mais plausível na atual conjuntura), a limitada expansão econômica pode se tornar ainda mais irrelevante no futuro. As vantagens obtidas por alguns (caso concreto brasileiro na pauta de commodities agrícolas e metálicas) não devem se sustentar no médio prazo, prevalecendo a máxima em que: quando há briga de elefantes quem sofre é a grama.

A economia chinesa vem, nos últimos cinco anos, em ritmo de desaceleração. Após exibir crescimento do PIB de 6,86%, em 2017, tende a fechar o corrente ano em 6,60% e, pelas previsões para 2019, em apenas 6,20%3, ou seja, perda líquida estimada de 0,66% no triênio (considerando que a previsão para o próximo ano se confirme). Adicionalmente, a expansão econômica chinesa está, a cada ano que passa, mais dependente do setor de serviços do que da produção industrial, trajetória essa típica das economias desenvolvidas. Cerca de 4% do incremento do PIB chinês, em 2018, dependerá dos serviços4.

Uma dinâmica econômica pautada pelos serviços é menos demandante de recursos externos, comparativamente, aquela calcada na produção industrial. Na margem, as compras internacionais chinesas tendem a arrefecer, valorizando-se os suprimentos domésticos. Ademais, ao priorizar o crescimento a partir da ativação de vetores endógenos, o Yuan se desvalorizará mais aceleradamente, implicando em menor apetite do país para transações internacionais.

A desalavancagem do ritmo de crescimento do PIB chinês possui implicação nada trivial para as economias emergentes. Simulações econométricas apontam para perda de 0,7% de crescimento do PIB mundial a cada 1% de declínio no chinês. No caso das economias ibero-americanas, fortemente dependentes da pauta exportadora de commodities, o reflexo do -1% chinês é da ordem de -1,2%5!

Pelo lado estadunidense, o porvir econômico tampouco é mais favorável aos emergentes. O FED programa, para 2019, ao menos outras três a quatro elevações na taxa básica de juros para os T-Bond’s6. O poder de atração de capitais da maior economia global será irresistível aos investidores que farão migrar a liquidez para o centro econômico, escasseando a oferta de moeda forte para os mercados emergentes que poderão assistir a desvalorização cambial de suas divisas o que, sabidamente, pressiona negativamente a cotação das commodities.

Outros componentes da dinâmica internacional são igualmente preocupantes. A insustentabilidade da dívida pública italiana associada às indefinições relativas ao desfecho do Brexit terão repercussões imprevisíveis na União Europeia. Também os obstáculos político-econômicos em se formalizar acordos bilaterais e entre blocos (há mais de 20 anos se arrastam as negociações entre MERCOSUL e UE) não devem ser superados no próximo ano. Enfim, 2019, no contexto internacional desenha um típico black year!

Houve majoração de 28,61% nas cotações médias do petróleo tipo Brent nos últimos 12 meses (nov/17 a out/18)7 . A mais importante de todas as commodities possui forte efeito inflacionário na economia global, tendo sido esse fenômeno um dos componentes para que o FED esteja programando novas altas na taxa de juros básica de sua economia. No que tange ao agronegócio, essa escalada nas cotações refletiu-se, particularmente, nos preços dos fertilizantes e do óleo diesel. O embargo imposto ao Irã e a omissão dos membros da OPEP em incrementar sua oferta condicionaram os aspectos geradores dessa alta nas cotações preços do petróleo.

Mantida essa tendência, o cenário provável para 2019 não seria de bom agouro. Entretanto, em novembro de 2018, os membros da OPEP, associados ao incremento da produção a partir da fratura do xisto nos EUA e no Canadá, passaram a oferecer maior volume de produto no mercado internacional, tendo o preço retornado a patamares de outubro de 2017, oscilando ao redor de US$ 62,50/barril. Mantida essa oferta, pelos próximos meses, haverá impulsos para a dinâmica da economia global, porém a restrição de demanda motivada pelos aspectos acima listados são preponderantes.

Em âmbito interno, a futura equipe econômica do governo Bolsonaro deverá seguir cartilha de cunho liberal alicerçada, simplificadamente, em: a) enxugamento da máquina estatal com empenho redobrado na redução do déficit fiscal das contas públicas; b) aceleração do programa de privatizações e de concessões (retirada do Estado das atividades econômicas não estratégicas e/ou deficitárias); c) desregulamentações variadas (desde a revogação da tabela do frete, por exemplo, até a menor proteção tarifária ao acesso de bens importados ao mercado interno, visando proceder com choque de competitividade na matriz industrial brasileira8), d) simplificar e rever as bases de cálculo das alíquotas tributárias (implantar o IVA nacional; extinguir a Lei Kandir9 e, provavelmente, flexibilizar a cobrança compulsória destinada ao sistema S); e e) modernizar a infraestrutura com atração de capitais internacionais, objetivando reduzir o chamado Custo Brasil.

No quesito infraestrutura e privatizações/concessões, existe previsão de ingresso imediato de até US$ 100 bilhões em investimentos privados ou sob PPP a partir do anúncio das primeiras decisões da equipe econômica no novo governo. O estímulo proveniente desse aporte de recursos carrega seu contraditório que consiste na valorização do real com redução espúria da competitividade internacional dos principais componentes de nossas exportações.

Há também medidas muito temerárias do ponto de vista da reputação do agronegócio do País no contexto do suprimento global. Renunciar ao Acordo de Paris, transferir a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém e confrontar os parceiros comerciais chineses são as derrapadas mais gritantes que poderão ser concretizadas, trazendo sérios prejuízos às transações internacionais do Brasil. Aparentemente, pelas declarações mais recentes do futuro presidente e de membros de sua equipe, tais iniciativas serão adotadas após uma reflexão mais aprofundada.

De modo geral, os participantes do agronegócio brasileiro concederam explícito apoio ao governo sufragado pelas urnas no último pleito eleitoral. Essa massiva adesão já produziu seu primeiro resultado, pois, considerando o perfil da ministra nomeada recentemente para o cargo, aparentemente, o segmento contará com relativo incentivo, pelos próximos quatro anos, de políticas públicas a ele destinadas. Todavia, no Brasil, o orçamento federal é comandado pela dobradinha formada pelos ministérios da Fazenda e do Planejamento (provavelmente fundidos) que, em última instância, determinam o êxito ou não das políticas setoriais. Se prevalecer o apelo do presidente eleito pela estrita responsabilidade fiscal, associado ao compromisso da nova equipe econômica em zerar o déficit fiscal dentro de 2019, haverá tremenda restrição no fluxo financeiro para apoiar o agronegócio (crédito e seguro, principalmente).

As repercussões desse conjunto de situações e, afunilando a análise para os aspectos que compõem o agronegócio café, torna-se plausível a elaboração de cenário econômico prospectivo para o segmento.

O mercado de café possui importantes contrapesos frente a ambiente pouco promissor para a realização de negócios. Em primeiro lugar, é consenso que a demanda mundial pelo produto continua se expandindo entre 2,0% e 2,2% ao ano. Ademais, a natureza inelástica da bebida a resguarda contra crises (maior taxa de desemprego, queda do crescimento econômico, avanço de bebidas alternativas). Juntos, tais fatores blindam o produto de modo sem rival dentre as demais commodities agrícolas.

Com a recuperação da produção de conilon capixaba, o país acaba de colher uma safra de aproximadamente 60 milhões de sacas. Entretanto, na que atualmente adentra-se será de ciclo de baixa, mas que tem sido contemplada por condição climática excelente no que tange ao pegamento e ao enchimento dos frutos. Preocupa a extensão da adoção das podas de manejo e o florescimento irregular das plantas que se refletirá na qualidade futura da bebida. Assim, a safra 2019/20 sinaliza que não ficará muito aquém da que finalizou10. Essa indicação se traduz entre os investidores no mercado futuro de café em pouca ou nenhuma margem para incremento das cotações.

Excetuando-se aqueles que contrataram hedge em momento anterior (princípio de 2018, por exemplo) ou possuem acertos diretamente com importadores (certificados, gourmet), o incremento nos custos de produção associado à safra de menor calibre, a comercialização, em 2019, encaminha-se para um cenário de baixa lucratividade para o cafeicultor. Confirmada a problemática relacionada ao déficit de florescimento e sua irregularidade, a qualidade não deverá exibir melhoria frente à safra anterior.

Na perspectiva econômica liberal do novo governo, deve-se cogitar a autorização para as importações de café, ao menos, em regime de draw back. O reflexo dessa nova condição para o funcionamento do mercado brasileiro será o de alavancar as cotações que, no curto prazo, deve ser bem aproveitada pelos cafeicultores na contratação de hedge. Transcorrido algum tempo, os operadores do mercado se ajustarão à nova condição, com acomodação das cotações até mesmo em patamares inferiores aos anteriormente praticados.

O retorno de alguma tributação nos produtos destinados à exportação terá reflexo na formação das cotações internas. O exportador, ao administrar suas margens, terá que computar ônus adicional, que será transferido aos cafeicultores, rebaixando os preços praticados. O exportador recolhe, mas quem paga é o cafeicultor!

Os aspectos considerados, excetuando-se a queda nas cotações do petróleo e a introdução das importações de café no mercado doméstico, devem condicionar o ambiente de negócios para níveis baixos de preços, afetando a rentabilidade dos cafeicultores. Os produtores de arábica que não adotaram o manejo de podas e possuem lavouras com ciclo bienal bem característico serão os que maiores dificuldades econômicas enfrentarão.

Será muito importante empregar técnicas de colheita e de pós-colheita que minimizem os efeitos da desuniformidade de frutificação. Lavouras irrigadas e que estão em ciclo de alta manterão sua competitividade, porém na margem, pois exibem custos de produção mais elevados. Os reflexos de uma safra portentosa de conilon ainda são desconhecidos, mas provavelmente não deverão estimular novos investimentos, pois a de arábica não será, tampouco, pequena. Enfim, 2019 poderá ser um BLACK YEAR para a cafeicultura brasileira.
 


1 O G20 é integrado por 19 países (ordem alfabética): Alemanha; Arábia Saudita; Argentina; Austrália; Brasil; Canadá; China; Coreia do Sul; Estados Unidos; França; Índia; Indonésia; Itália; Japão; México; Rússia; Reino Unido; África do Sul; Turquia e a União Europeia.

https://economia.uol.com.br/noticias/efe/2018/03/12/cupula-do-g20-na-argentina-sera-realizada-de-30-de-novembro-a-1-de-dezembro.htm

2 No último encontro (nov./2018) dos membros da Cooperação Ásia-Pacífico (APEC), não foi possível a produção de comunicado conjunto devido à falta de consenso entre os representantes dos EUA e da China. Ver:

HORNBY, L & POLITI, J. Tensão EUA-CHINA explode durante cúpula na Ásia. Jornal Valor Econômico, 17,18 e 19/11/2019, A7

3 Ressalte-se que ao princípio dessa década a economia chinesa crescia a dois dígitos. Disponível em: https://www.economiaemdia.com.br/EconomiaEmDia/pdf/Cenario_economico_out-18.pdf

4 SENDER, H. Não se pode mais contar com a China. Jornal Valor Econômico, 08/11/2017 A17.

5 Idem 3.

6 Desde 2015 o FED já elevou a taxa de juros básicos oito vezes, situando-se atualmente entre 2,0% e 2,25% ao ano. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2018/09/26/fed-sobe-juros-pela-terceira-vez-no-ano-nos-estados-unidos.ghtml

7 Disponível em: https://abacusliquid.com/setores-economia/mercado-financeiro/petroleo-hoje/

8 Recente estudo do IPEA contabilizou que em 2015 houve gasto adicional de R$130 bilhões por parte dos consumidores em decorrência da proteção concedidas aos diferentes ramos da indústria e agropecuária brasileira. Nos itens: agrícola, alimentos e bebidas o dispêndio adicional foi de R$41,16 bilhões, ou seja, aproximadamente um terço do total.

RITTNER, D. Proteção tarifária custou R$130 bilhões em um ano. Jornal Valor Econômico, 13/11/2018 A4.

9 Trata-se de como ficou conhecia a Lei Complementar 87 de 13/09/1996 que isenta de pagamento de ICMS as exportações de mercadorias in natura, semielaboradas ou serviços.

10 Em contrapartida, a produção de conilon deverá aumentar em razão da completa recuperação capixaba e da expansão da produção em Rondônia. Já para 2019 quantidades colhidas próximas de 20 milhões de sacas são esperadas sendo esse o novo patamar de produção de conilon no Brasil.

* Celso Luis Rodrigues Vegro é Eng. Agr., MS, Pesquisador Científico VI do Instituto de Economia Agrícola (celvegro@iea.sp.gov.br)

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