REVISTA DO CAFÉ, dez/2016 — Temos assistido, há vários anos, a discussão recorrente do tema da importação de café em grão, inicialmente restrita ao regime da importação temporária (drawback), no interesse da indústria de café solúvel, para atender ao mercado externo e, mais recentemente, para suprir também o mercado interno, afeto ao setor industrial de torrefação e moagem.
É forçoso reconhecer que não obstante o empenho, com fundamentos técnicos consistentes, dos setores interessados na busca do convencimento das autoridades governamentais e, principalmente, do setor de produção do grão, não tem havido progressos. As discussões se acirram, o tema ganha manchetes, a lavoura cafeeira fixa-se monoliticamente na questão dos riscos de pragas, como se este fosse o problema, no seu enorme cacife político, e prevalece a tática de adiar a solução e fazer com que o decurso do tempo se encarregue de retirar a atualidade do tema, pela superação do problema conjuntural da hora. Assim tem sido.
No momento, por conta da seca que assolou os cafezais capixabas, maior produtor nacional de cafés da variedade, o adiamento da decisão do governo, para janeiro próximo, como informado, tem a ver com a necessidade de verificar os estoques de café conilon e se há ou não escassez. Não se leva em conta que nos últimos dias esta indagação já foi respondida pela alta dos preços observada no mercado interno. De fato, os preços do conilon excederam pela primeira vez na história os preços dos cafés arábicos finos, ineditismo explicado pela forte redução na oferta. No mercado internacional, os preços do robusta correspondem a algo em torno de 55% a 60% das cotações do arábica.
Parece faltar percepção às sérias consequências causadas pela sistemática indefinição desta questão. Não há impunidade. A indústria de solúvel brasileira, conforme os dados disponíveis, está visivelmente encolhendo, enquanto o mercado mundial do solúvel cresceu 28%, nos últimos 10 anos, aumentamos em 5% a sua produção. Fábricas foram e estão sendo montadas/expandidas nos países produtores, Vietnã, Índia, México e Índia, notadamente. As indústrias de solúvel nos países consumidores retraem a sua produção própria e aumentam as compras de produto manufaturado nas origens. Até quando a indústria brasileira resistirá, na medida em que não é competitiva com as demais origens?
No setor de torrefação e moagem, o cenário não é diferente. A indústria brasileira não tem condições de competir no mercado externo e exportar produto com valor agregado, pois não tem acesso às qualidades demandadas pelos consumidores. No mercado interno, já enfrenta a competição com o café industrializado importado livremente, citando-se que as compras no exterior de café industrializado evoluíram de US$ 40 milhões, em 2013, para US$ 60 milhões e US$ 84 milhões em 2014 e 2015, respectivamente, e US$ 90 milhões (estimativa para 2016).
A Revista do Café, como contribuição ao debate da questão, publica a seguir a posição da ABICS (Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel) e da ABIC (Associação Brasileira da Indústria de Café) sobre a importação. Permite-se também expressar a sua opinião de que a discussão deixe de lado as questões periféricas, como, por exemplo, o risco de pragas, pois é inimaginável que se cogite de importar produtos agrícolas primários sem a prévia avaliação de condições sanitárias e se concentre no conceito central que é o da reserva de mercado. Ou seja, se os segmentos cafeeiros, a sociedade brasileira e o Governo pretendem que o mercado nacional seja reservado ao produtor nacional.
O Café Solúvel do Brasil precisa do Café do Brasil e de Diálogo
O Brasil é uma potência global no segmento do Café Solúvel, ocupando o primeiro lugar em produção e exportação e, desde sua implantação, nos idos da década de 60, nunca perdeu a liderança. Seu processamento está lastreado em indústrias consolidadas há mais de 40 anos. Manter essa liderança tem sido uma árdua tarefa, composta de adversidades de toda ordem, que vão de custos Brasil a barreiras tarifárias, de vultosos valores retidos em créditos tributários de ICMS a problemas de abastecimento de matéria-prima (café conilon) entre outras.
Essa liderança foi conquistada à luz de grandes investimentos em tecnologias industriais, que proporcionaram índices de produtividade e qualidade iguais ou melhores que das principais indústrias mundiais. São indústrias auditadas constantemente por certificadoras globais, com 20 tipos diferentes de certificações de gestão e processos, que as credencia para quaisquer exigências mundiais de fornecimento. Acrescente-se a essa estratégia, uma agressiva política comercial que possibilitou exportar para mais de 130 países.
Com capacidade instalada de processamento de 125 mil toneladas, o equivalente a quase 6 milhões de sacas de café, utilizou 4,6 milhões de sacas de café em 2015. Tendo ainda capacidade de crescimento, implantou em 2015 o “Plano de Desenvolvimento do Café Solúvel do Brasil” que, objetivando atacar questões estruturantes que afetam a competitividade, conciliadas a estratégias e ações de promoção, prevê crescimento de 50% nas exportações em 10 anos, ou seja, atingir US$ 1 bilhão de receita cambial ao ano.
Como parte do “Plano”, recentemente a Apex-Brasil aprovou o que será o primeiro projeto de promoção internacional do café solúvel brasileiro. O foco do projeto denominado “Brazilian Instant Coffee” é valorização, diferenciação e ampliação das exportações, com construção da marca “Café Solúvel do Brasil”, cujo lema é “A Nação do Café, também é a Nação do Café Solúvel”.
Aproveitando o crescimento mundial de consumo de solúvel de 3% ao ano, após vários anos de estagnação das exportações, a indústria brasileira obteve um crescimento de volume de 2,8% em 2015 em relação ao ano anterior e deve fechar 2016 com crescimento em torno de 7,6%. Lembrando que o resultado de 2016 é retrato de vendas efetuadas no ano de 2015, pois as indústrias de café solúvel comercializam sempre um ano à frente.
Porém todos os planos de crescimento de produção e exportações, projeto Apex-Brasil e negociações de barreiras tarifárias estão em grave risco e podem ir por água abaixo. As sucessivas quebras das safras no Espírito Santo, maior produtor de café conilon, em 2015, 2016 e as incertezas da safra de 2017, devido ao agravamento das condições climáticas e hídricas, somadas aos recordes de exportações do produto em grão nos anos de 2014 e 2015, criaram um cenário até então inimaginável no Brasil. A verdade é que, o maior país produtor do mundo não produziu conilon suficiente para atender à demanda doméstica das indústrias de torrefação e de exportações das indústrias de café solúvel.
Matéria-prima imprescindível na produção de café solúvel, o café conilon é 80% do volume processado e, por suas características de maior rendimento industrial (25% a 30% superior aos arábicas na extração de sólidos solúveis), é insubstituível. A troca pelo café arábica significaria o fim anunciado das exportações brasileiras e até o encerramento de atividade de algumas das seis indústrias hoje em operação no Brasil.
O desconhecimento dos volumes dos estoques remanescentes e a inteiramente compreensível resistência dos produtores capixabas que, para administrar as sérias dificuldades a que foram e estão sendo submetidos, relutam em disponibilizar seus estoques no mercado, fazendo com que os preços disparassem a ponto de bater quase que diariamente recordes históricos e, o mais inusitado das previsões, que o conilon ultrapassasse a cotação do arábica, o que até então nunca havia ocorrido na história da cafeicultura brasileira e mundial. Atualmente a oferta está limitadíssima, com grande dificuldade de aquisição de lotes de maior volume e quando disponibilizados, os preços são proibitivos, inviáveis para as indústrias brasileiras de solúvel concorrer com as indústrias internacionais, que acessam matéria-prima em nações produtoras concorrentes.
Para manter o abastecimento e a competitividade internacional do café solúvel brasileiro se faz necessário o entendimento para viabilizar importações de café conilon/robusta, em regime de “drawback”, para suprir eventuais e pontuais problemas de desabastecimento, a exemplo do que está ocorrendo atualmente, e ou em eventuais pressões artificiais e significativas de preços internos.
Desde outubro as indústrias estão com suas vendas no exterior parcialmente paralisadas, uma vez que, para se protegerem das oscilações de mercado, adotam como estratégia comercial de hedging, só efetivar vendas se garantirem a compra física da matéria-prima. A impossibilidade de importação de café, mesmo em regime de drawback, cria sérias distorções de mercado, uma delas é o alijamento das indústrias na utilização da Bolsa de Londres para seus hedges de proteção.
A situação de oferta insuficiente de café conilon está fazendo com que algumas indústrias avaliem dar e/ou ampliar férias coletivas e, o mais preocupante e maior dos danos, causando a perda de clientes conquistados ao longo de muitos anos de investimento e trabalho.
Ao longo dos últimos dois meses, a ABICS tem buscado entendimento com as entidades representativas da cadeia café, predominantemente com a representação dos produtores, CNC – Conselho Nacional do Café, CNA – Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, entidades de produtores do Espírito Santo e parlamentares representantes do setor. O objetivo sempre foi de construir um grande acordo, um pacto, que permita importações em quantidades mensais prefixadas, por períodos determinados, e suspensas em épocas de colheita, de maneira a não pressionar os preços internos, permitindo aos produtores a remuneração necessária de seus estoques remanescentes e a preservação da sua capacidade produtiva. Ao mesmo tempo, proporcionar à indústria de café solúvel fluxo de cafés em volume suficiente e a preços compatíveis com o mercado internacional, que permitam se manterem ativas, competitivas e cumprirem com seus compromissos junto aos clientes internacionais.
Entretanto, apesar do alto nível dos entendimentos e dos esforços das lideranças dos produtores, é notório o fato de estarmos lidando com um paradigma histórico e cultural de grande resistência por partes dos produtores que, pressionando suas lideranças, dificultam qualquer tentativa de acordo. Em tal ambiente controverso, é fundamental arbitramento governamental que preserve a capacidade econômica de ambos os setores.
O Brasil precisa continuar na dianteira das exportações e não pode dar espaços a concorrentes. Isso significa maior agregação de valor, mais empregos, mais impostos, mais riquezas para o País e mais renda para os produtores, que terão ampliadas as oportunidades de investir na produtividade e qualidade de suas lavouras, estabelecendo assim o círculo virtuoso, em que todos ganham.
É importante entender que cliente perdido pelo Solúvel Brasileiro é cliente perdido pelos produtores. A Indústria de Café Solúvel é parte dos produtores de café conilon do Brasil que, com a marca “Café Solúvel do Brasil” pretende continuar levando o nome do CAFÉ BRASILEIRO a todas as partes do mundo e não tem nenhum interesse passional em utilizar cafés de outras origens.
Que essa decisão seja nossa. Se o Brasil não tomar essa decisão, algum país o fará, com certeza. Mais do que nunca o Café Solúvel do Brasil precisa do Café Brasileiro e de diálogo.
Momento é de se quebrar antigos paradigmas
Ricardo de Sousa Silveira é presidente da ABIC – Associação Brasileira da Indústria de Café
A quebra significativa da safra de café conilon produzido no Espírito Santo, em razão da seca e das altas temperaturas que assolam o parque cafeeiro capixaba nos últimos anos, trouxe mais uma vez à tona um assunto polêmico, verdadeiro tabu em nosso agronegócio: a importação de café verde. Refiro-me tanto à compra pontual de uma pequena quantidade de sacas para atender as necessidades das indústrias de café torrado e moído e de solúvel, quanto à aquisição de grãos de outras origens que permitam às torrefadoras um novo patamar de competitividade para enfrentar a concorrência que já está ocorrendo no mercado interno, com as venda de cafés industrializados de diversos outros países.
Abordando inicialmente o momento crítico que vivem as indústrias de café solúvel, maior exportadora mundial deste produto, e as indústrias de torrefação que suprem o mercado interno, que é o segundo maior mercado mundial da bebida, gostaria de lembrar que buscamos em inúmeras reuniões com nossos pares, sobretudo as entidades representantes da produção, uma solução de curto prazo, que atendesse as demandas (sempre pontuais) de ambos os segmentos. Mas, infelizmente, não se chegou a nenhum consenso.
Fazendo uma pequena retrospectiva sobre o uso do café conilon pelas torrefadoras brasileiras, lembro que, ao longo dos últimos 20 anos, essa variedade foi sendo adicionada aos blends dos cafés para o mercado interno, de maneira gradual e crescente, dando origem aos cafés da categoria Tradicional, uma bebida do dia a dia, de largo consumo pela população. A melhoria da qualidade do conilon, com as novas formas de preparo dos lotes pelos produtores, foi inclusive respaldada e incentivada pela ABIC e seu corpo técnico.
Por suas características de qualidade, o conilon fez esses blends serem adotados pelos consumidores, estando o seu uso já consolidado em quantidades que variam entre 40% e 50% na média, pelas centenas de marcas que abastecem o mercado brasileiro.
Ocorre que o mercado de café está refletindo a quebra da safra do Espírito Santo. As indústrias reportam muita dificuldade para a aquisição de matéria-prima, cuja quantidade ofertada diariamente não atende às necessidades das empresas e, muitas vezes, não há oferta nenhuma. A situação é tal que, embora entendendo a situação dos produtores ou detentores de estoques de café, inclusive em função da expectativa de que a safra de 2017/2018 também seja pequena e insuficiente, o abastecimento está comprometido e teme-se pela falta do café no varejo, no food service e no lar. A falta de café conilon pode ser estimada entre 5 milhões e 9 milhões de sacas em 2016, ai considerado o consumo interno, o solúvel e a exportação.
Evidentemente, esperava-se um natural aumento nas cotações do grão, o que segue a lei da oferta e demanda. Isto é consequência da quebra da safra e o mercado iria ajustando esses valores. Entretanto, a alta superou todas as expectativas. Como exemplo, cito o conilon bica corrida tipo 7, em Vitória, cuja saca que era cotada em R$ 290,00 em Julho/2015 chegou a R$ 469,00 em Dezembro/2016, acumulando um aumento de 61,72% neste período.
A indústria não tem como absorver estes aumentos. Um simples exercício de revisão de custos mostra que, somente no caso do conilon, seria necessária uma correção de quase R$ 5,20/kg sobre os preços atuais para os consumidores.
Entretanto, é imprescindível não esquecermos que o Brasil vive uma fase de queda na renda do consumidor, e ele não tem mais como pagar aumentos de preços. A redução de custos pela indústria, portanto, viria a atender essa demanda de consumidores com dinheiro “mais curto”. É o que temos praticado desde o início do ano: nossas margens estão sendo reduzidas porque os novos custos não são possíveis de serem repassados aos consumidores na mesma velocidade. Na lista de adequações ao novo cenário, estão: revisão nas formas de comprar e de entregar o produto e o investimento em tecnologias que auxiliem nessa redução. Ou seja: nossa lição de casa tem sido fazer mais com menos, sem abrir mão da qualidade!
As consequências dessa crise podem ser dramáticas, atingindo produtores, indústrias, varejo e consumidores. Entre as inúmeras consequências, elenco estas dez:
Desequilíbrio do mercado de café em grão cru – redução do mercado do conilon;
Custos do blend aumentando seguidamente;
Aumento do índice da inflação de alimentos. Realinhamento de preços — +40% ao consumidor (+R$ 5,20/kg);
Crescimento do consumo interno ameaçado – blend modificado com menos conilon X gosto adotado atual;
Insegurança para novos investimentos; Quebras de safra sucessivas 2016 – 2017 – 2018;
Desabastecimento do mercado, varejo e food service; interrupção do ciclo de crescimento;
Desequilíbrio cria oportunidades para produtos importados concorrentes (já há cafés empacotados estrangeiros nos mercados);
Perda do mercado de conilon pela redução do uso no blend tradicional até o final de 2017;
Risco para os produtores de conilon pela redução de participação no mercado interno; e
Fortalecimento de outras categorias de bebidas em substituição ao café.
Inúmeros estudos e análises realizadas mostram que as soluções possíveis para suprir o mercado interno e a exportação do solúvel passam, necessariamente, pela importação controlada, com fluxos e quantidades conhecidas. Alem disso, não há alternativa para a indústria a não ser reduzir ou suprimir o uso do café conilon em seus blends.
Especificamente para suprir o mercado interno, destacamos uma proposta de importação de 200 mil sacas/mês, no período de Dezembro/2016 ate Maio/2017, um total de 1,2 milhão de sacas que representam a demanda da indústria para somente 40 dias de produção.
A não adoção de qualquer tipo de medida que auxilie as indústrias neste momento será prejudicial não apenas para o consumidor (que não encontrará sua bebida no mercado), mas para o próprio produtor.
As novas regras devem conter limites para a importação, qualidade e avaliação fitossanitária do produto, além de não permitir a entrada de cafés “com preço de lixo”, o que derrubaria o valor do produto nacional. O governo tem ferramentas para impor regras e não se deve trazer volumes além do necessário. As importações não são para desregular o mercado. Não queremos guerra de preços e nem queda de braços. Somos a favor do livre mercado.
Retomamos em novembro o Índice de Oferta de Café para a Indústria (IOCI), justamente para poder mensurar a oferta tanto do arábica quanto do conilon. Na semana de 5 a 9 de dezembro, o IOCI mostrava Suprimento Seletivo, indicando que a oferta de conilon continuava prejudicada, restando somente lotes pequenos e que não supriam a indústria adequadamente. Por outro lado, esta pesquisa indicou que 30% das empresas já desistiram do uso do conilon. Na semana anterior, este índice chegou a 60% de indústrias que desistiram do uso dessa variedade. O suprimento esta inviabilizado e as indústrias no rumo da paralisação. É preciso quebrar paradigmas e enfrentar esta necessidade da importação. O Brasil e o agronegócio só têm a ganhar com esta operação.
Já havíamos alertado que esta poderia ser uma consequência negativa, com os produtores de conilon perdendo mercados duramente conquistados nos últimos vinte anos. A expectativa de safras menores em 2017 acentua a preocupação de buscar uma solução imediata para esta crise de abastecimento.