Ciclos econômicos mundiais e a inelasticidade do consumo de café

Celso Luís Rodrigues Vegro

No último quarto de século, a economia global registrou ao menos nove fases mais intensas de desaceleração econômica (crises): mexicana (1994); dos tigres asiáticos (1997); russa (1998); das “pontocom”/NASDAQ (2000); atentado às torres gêmeas (2001); argentina (2001-2002); grande recessão/bolha imobiliária (2008-2009); da dívida europeia – PIGS (2009-2010); e a atual, que pode ser denominada como movimento de “desglobalização/reautarquização” (2017…)1. Excetuando-se o breve período entre 2011-2017 (boom das commodities), os demais anos foram de contestação do crescimento econômico.

Diante das crises, conclui-se que a normalidade econômica foi exceção. Os contextos recessivos, invariavelmente, repercutiam nas economias estruturalmente menos robustas com a necessidade de imediatas ações por parte do Fundo Monetário Internacional (FMI). Sumariamente, o refreamento de cada crise ocorreria por meio da implementação de políticas (pacotes) que contemplam forte contenção fiscal, desvalorização das moedas novos aportes financeiros ao Estado sob forma de empréstimos, e aceleração das privatizações e das concessões de empresas públicas. Resultante desse rol de orientações foi a piora no padrão do bem-estar da população e aumento do desemprego com incremento da deterioração dos serviços prestados pelo Estado.

As previsões para 2020 tampouco animam. A retração do comércio mundial, puxado pela redução de dois dígitos nas importações estadunidenses, sobretudo de produtos chineses, desacelera o ritmo de expansão do PIB mundial. A essa dinâmica deve-se acrescentar o recente contexto de instabilidade social e de crise institucional que permeia diversos países ibero-americanos, as contendas entre China continental e Hong Kong, e o divórcio do Reino Unido da União Europeia. O avanço da incerteza refreia as decisões de investimento, realimentando a tendência recessiva já instaurada particularmente nas economias de Alemanha, Itália, Reino Unido, Turquia, México, Argentina e Chile.

O conceito econômico de elasticidade mensura quanto determinada mercadoria está sujeita às variações na oferta ou procura em decorrência das oscilações de seus respectivos preços ou renda. São considerados inelásticos aqueles bens, que sob efeito de movimentações para cima ou para baixo da renda disponível, não exibem na mesma proporção de intensidade alterações no patamar da demanda.

A característica de essencialidade dos agroalimentos confere aos produtos desse ramo de negócios a condição de baixa elasticidade renda da demanda, ou seja, em períodos em que se desacelera o ritmo de expansão econômica, o rebote sobre os agroalimentos não tem a mesma magnitude. O produto de maior inelasticidade intrínseca é o sal. O café, por sua vez, representa bem de consumo muito inelástico.

Desde o início da década de 1990, o consumo mundial de café vem crescendo de forma sustentável, comprovando sua característica inelástica. De 90 milhões de sacas observadas no início do período considerado, alcançaram em 2019 (preliminar) as 169 milhões de sacas, ou seja, incremento de 78 milhões de sacas, resultando em 2,7 milhões de sacas ao ano (Figura 1). Em termos de taxa geométrica de crescimento, a demanda global de café avança a 2,25% ao ano, percentual bastante acima do crescimento vegetativo populacional, indicando que efetivamente a bebida ganha novos e maiores consumidores a cada novo ano.

Empregando a taxa de crescimento geométrica calculada de 2,25% a.a. para a expansão do consumo, torna-se possível prever a demanda de café em 2020, que alcançaria 171,70 milhões de sacas, ou seja, incremento de 3,78 milhões de sacas. Entretanto, considerando-se que o próximo ano tende a acentuar o contexto de crise econômica delineado nos anos anteriores, convém ser mais cauteloso com esse possível desempenho.

Assim, buscando-se aproximar da realidade econômica para o consumo da bebida, foram selecionados cinco períodos demarcados pela prevalência da recessão/estagnação, cotejando-os com o crescimento do consumo antes e depois de superada a crise. Isso pode servir como expectativa para a demanda porvir.

Prever cenário para o consumo de café em 2020 constitui grande risco, ainda que se considere a condição de inelasticidade da bebida. Todavia, a demarcação histórica dos períodos recessivos cotejada com a evolução do consumo permite a extração de percentuais mais ajustado para a realidade próxima futura (Tabela 1).

Fonte: Elaborada a partir de dados básicos da INTERNATIONAL COFFEE ORGANIZATION. Historical data. Londres: ICO, 2019. Disponível em: http://www.ico.org/. Acesso em: dez. 2019.

Pelos percentuais obtidos para o crescimento do consumo de café nos ciclos recessivos da economia mundial, obtêm-se percentuais bastante inferiores ao assinalado pela taxa de crescimento calculada. Com base nas taxas encontradas para os ciclos de crise, pode-se construir cenários alternativos para o consumo: pessimista, provável e otimista (Tabela 2).

Fonte: Elaborada a partir de dados básicos de CONSELHO DE EXPORTADORES DE CAFÉ DO BRASIL. Consumo mundial. São Paulo: CECAFÉ, 2019. Disponível em: http://cecafe.com.br. Acesso em: dez. 2019.

A recente dinâmica de consumo da bebida entre os asiáticos e o ganho de relevância dos países produtores no uso doméstico do produto autoriza afastar-se do cenário pessimista para a demanda pelo produto. O suprimento global deve se posicionar entre os cenários prováveis (crises protecionista e da Nasdaq + outras), ou seja, algo em torno das 170 milhões de sacas.

Os períodos de estagnação e/ou recessão econômica passada pressionaram o consumo de café a despeito de sua característica inelasticidade. A verificação da evolução do consumo nas principais crises dos últimos 30 anos sugere que se adote a cautela nas projeções futuras para o consumo da bebida.

1Não se consolidou por ora denominação de consenso para o atual momento histórico da humanidade. Palavras–chaves como desglobalização, nacionalismo protecionista e guerra tecnológica são candidatas a melhor caracterização contemporânea.

Outras notícias

Café solúvel: Brasil exporta 2,96 milhões e consumo soma 823 mil sacas em 2024

18 de outubro de 2024

Volumes representam crescimentos de 6,8% nos embarques e 2,4% no mercado interno entre janeiro e setembro De acordo com dados atualizados pela A...

Abics acompanha início das operações com café conilon/robusta na B3

24 de setembro de 2024

Entidade entende como importante a existência de uma nova ferramenta, a todos atores da cadeia produtiva cafeeira, que mitigue os riscos na negocia...

Degustação de café: o que faz um Instant Coffe Grader?

22 de agosto de 2024

Análise do café solúvel ajuda a levar produtos cada vez mais específicos para o gosto do consumidor; consumo desse tipo de café cresceu 4,7% neste ...

‘IC Graders’: Abics certifica 40 profissionais para avaliação sensorial de café solúvel

15 de agosto de 2024

Degustadores são formados com base no Protocolo Global de Avaliação Sensorial do Café Solúvel e ajudam a impulsionar consumo do produto A Associ...
plugins premium WordPress